O Papa João Paulo II chama
a família de "Santuário da vida"
(CF, 11). Santuário quer
dizer “lugar sagrado”. É ali que a vida
humana surge como de uma nascente sagrada, e é cultivada
e formada. É missão sagrada da família,
guardar, revelar e comunicar ao mundo o amor e a vida.
O Concílio Vaticano II já
a tinha chamado de "a Igreja doméstica"
(LG, 11) onde Deus reside, é reconhecido, amado,
adorado e servido e ensinou que: "A salvação
da pessoa e da sociedade humana estão intimamente
ligadas à condição feliz da comunidade
conjugal e familiar" (GS, 47). "Desta maneira
a família, na qual convivem várias gerações,
que se ajudam mutuamente em adquirir maior sabedoria e em
hamonizar os direitos pessoais com outras exigências
sociais, constitui o fundamento da sociedade" (GS,
52).
Jesus habita com a família
cristã nascida no Sacramento do matrimônio.
A sua presença nas Bodas de Caná
da Galiléia significa que o Senhor "quer estar
no meio da família", ajudando-a a vencer todos
os seus desafios. Essas duas expressões exprimem bem
o sentido profundo da família. Desde que Deus desejou
criar o homem e a mulher “à sua imagem e semelhança”
(Gen 1,26), Ele os quis “em família”. Tal
qual o próprio Deus que é uma Família
em três Pessoas divinas, assim também o homem,
criado à imagem do seu Criador, deveria viver numa
família, numa comunidade de amor, já que “Deus
é amor” (1 Jo 4,8) e o homem lhe é semelhante.
Na Carta às Famílias, que o
Papa João Paulo II escreveu em 1994, afirma que: “Antes
de criar o homem, o Criador como que reentra em si mesmo para
procurar o modelo e a inspiração no mistério
do seu ser...” (CF, 6). Todos os seres criados, exceto
o homem, já nascem dotados de tudo o que precisam para
se tornarem completos na sua natureza. Conosco é diferente;
pois Deus nos quis semelhantes a Ele e construtores do nosso
próprio futuro. É o que Deus disse ao casal:
“Crescei, multiplicai, e dominai a terra”. (Gen
1,28) Na visão bíblica, homem e mulher são
chamados a, juntos, continuar a ação criadora
de Deus, e a construção mútua de ambos.
Só ao casal humano dá a inteligência para
ver, a liberdade para escolher, a vontade para perseverar
e a consciência para ouvir continuamente a Sua Voz.
Esta é a alta dignidade que Deus confere à criatura
feita à sua imagem. Para corresponder a esta grandeza
dada pelo Criador, o homem deve viver a sua liberdade com
responsabilidade. Pecar será sempre abusar da liberdade
que Deus nos deu; isto é, vivê-la sem responsabilidade
e verdade. “Ponho diante de ti a vida e a morte, a benção
e a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que
vivas com a tua posteridade, amando o Senhor teu Deus, obedecendo
a sua voz e permanecendo unido a ele” (Dt 30,19-20).
Ao falar da família no plano de Deus,
o Catecismo da Igreja Católica (CIC), diz que ela é
“vestígio e imagem da comunhão do Pai,
do Filho e do Espírito Santo. Sua atividade procriadora
e educadora é o reflexo da obra criadora do Pai”
(CIC, 2205). Essas palavras indicam que a família é,
na terra, a marca (“vestígio e imagem”)
do próprio Deus, que, através dela continua
a sua obra criadora.
Desde que existe a humanidade existe a família,
e ninguém jamais a pôde ou poderá destruir,
pelo fato de que ela é divina; isto é, foi instituída
por Deus. Como ensina o nosso Catecismo, ela é “a
célula originária da vida social”. “É
a sociedade natural na qual o homem e a mulher são
chamados ao dom de si no amor e no dom da vida” (CIC,
2207).
A família é o eixo da humanidade,
é a sua pedra angular. O futuro da sociedade e da Igreja
passam inexoravelmente por ela. É alí que os
filhos e os pais devem ser felizes. Quem não experimentou
o amor no seio do lar, terá dificuldade para conhecê-lo
fora dele. “A família é a comunidade na
qual, desde a infância, se podem assimilar os valores
morais, em que se pode começar a honrar a Deus e a
usar corretamente da liberdade. A vida em família é
iniciação para a vida em sociedade” (CIC,
2207).
O Concílio Vaticano II definiu a família
como “íntima comunidade de vida e de amor”
(GS, 48). O mesmo Deus que num desígnio de pura bondade
criou o homem e a mulher, os quis em família: “Não
é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe uma
ajuda que lhe seja adequada” (Gen 2,18). Depois de ter
criado a mulher “da costela do homem” (v. 21),
a levou para ele. Este, ao vê-la, suspirou de alegria:
“Eis agora aqui, disse o homem, o osso dos meus ossos
e a carne de minha carne; ela se chamará mulher...”
(v. 23)
Após esta declaração
de amor tão profunda - a primeira na história
da humanidade - Deus, então, mostra-lhes toda a profundidade
da vida conjugal: “Por isso o homem deixa o seu pai
e sua mãe para se unir à sua mulher; e já
não são mais que uma só carne”.
(v. 24) É significativo que, em hebraico, as palavras
homem e mulher tenham a mesma raiz: ish e ishá. Depois
de criar o homem e a mulher, Deus lhes disse: “Crescei
e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai...”
(Gen 1, 28).
Este é o desígnio de Deus para
o homem e para a mulher, juntos, em família: “crescer”,
“multiplicar”, “encher a terra”, “submetê´la”.
E para isso Deus deu ao homem a inteligência
para projetar e as mãos para construir o seu projeto.
Com isso o homem e a mulher vão “dominando”
tudo, desde o microcosmo das bactérias, vírus,
moléculas, átomos, etc., até o macrocosmo
das estrelas e galáxias. Já o salmista exclamava:
“Que é o homem, digo-me então...? Entretanto,
vós o fizestes quase igual aos anjos, de glória
e de honra o coroastes. Destes-lhes poder sobre as obras de
vossas mãos, vós lhe submetestes todo o universo...”
(Salmo 8,4-7).
Nestas palavras de Deus: “crescei e
multiplicai-vos” encerra-se todo o sentido da vida conjugal
e familiar. Desta forma Deus constituiu a família humana,
a partir do casal, para durar para sempre, por isso, A FAMÍLIA
É SAGRADA! Neste contexto vemos que o homem não
pode estar só, falta-lhe algo para a realização
completa do seu ser humano. Vemos aí toda a importância
e beleza do matrimônio que enriquece o casal na sua
complementaridade. Esse era o plano de Deus quando “criou
o homem...criou o homem e mulher”(Gen 1,27).
Vemos aí também a dignidade,
baseada no amor mútuo, que levam o homem e a mulher
a deixarem a própria casa paterna, para se dedicarem
um ao outro totalmente. Este amor é tão profundo,
que dos dois faz um só, “uma só carne”,
para que possam juntos realizar um grande projeto comum: a
família. Daí podemos ver que sem o matrimônio
forte e santo, não é possível termos
uma família forte e santa, segundo o desejo do coração
de Deus. Quando os fariseus colocaram Jesus à prova,
e perguntaram sobre o divórcio, o Senhor lembrou o
começo da história da humanidade, em que por
vontade de Deus, um homem e uma mulher unem-se tão
estreitamente, e de modo tão absoluto, que se tornam
“uma só carne”. “Não lestes
que o Criador, no começo, fez o homem e a mulher e
disse: Por isso o homem deixará seu pai e sua mãe
e se unirá à sua mulher, e os dois formarão
uma só carne?” Então, a conclusão
de Jesus é a mais lógica: “Não
separa o homem, o que Deus uniu” ( Mt 19,6).
Tudo isto mostra como Deus está implicado
nesta união absoluta do homem com a mulher, de onde
vai surgir, então, a família. Por isso não
há poder humano que possa eliminar a presença
de Deus no matrimônio e na família. Deus vive
no lar nascido de um matrimônio. Na missa que o Papa
celebrou na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, em outubro
de 1997, ao comentar a presença de Jesus e de Maria
nas Bodas de Caná, disse: “Não será
legítimo ver na presença do Filho de Deus, naquela
festa de casamento, o indício de que o matrimônio
haveria de ser o sinal eficaz de sua presença?”
Isto nos faz entender que a celebração do sacramento
do matrimônio é garantia da presença de
Jesus no lar alí nascente.
Como é doloroso perceber hoje que
muitos jovens, nascidos em famílias católicas,
já não valorizam mais este sacramento, e acham,
por ignorância religiosa, que já não é
importante subir ao altar para começar uma família!
Toda esta reflexão nos leva a concluir que cada homem
e cada mulher que deixa o pai e a mãe para se unirem
em matrimônio e constituir uma nova família,
não o podem fazer levianamente, mas devem fazê-lo
somente por um autêntico amor, que não é
uma entrega passageira, mas uma doação definitiva,
absoluta, total, até a morte. Este é o projeto
maravilhoso de Deus ao desejar que a humanidade existisse
neste nosso mundo, em família.
Ela é o arquétipo, o modelo
de vida que o Senhor Deus quis para o homem na terra. Se destruirmos
a família, destruiremos a sociedade. Por isso, é
fácil perceber, cada vez mais claramente, que os sofrimentos
das crianças, dos jovens, dos adultos e dos velhos,
têm a sua razão na destruição dos
lares. Quando aconteceu a revolução bolchevista
na Rússia, em 1917, naquela euforia proletária
marxista materialista, que rejeitava a religião como
“o ópio do povo”, os líderes da
revolução quiseram banir a família da
sociedade russa, como se fosse um fruto rançoso da
Igreja. Vinte e cinco anos depois, o próprio Lenin
declarava que era preciso voltar a família na sociedade
russa, porque ela estava se transformando num bordéu!
Marcada pelo sinete divino, a família,
em todos os povos, atravessou todos os tempos e chegou inteira
até nós no século XX. Só uma instituição
de Deus tem esta força. Ninguém jamais destruirá
a força da família por ser ela uma instituição
divina. Para vislumbrar bem a sua importância, basta
lembrar que o Filho de Deus, quando desceu do céu para
salvar o homem, ao assumir a natureza humana, quis nascer
numa família. “Na plenitude dos tempos, Deus
enviou o seu Filho ao mundo nascido de uma mulher...”
(Gal 4,4). Já que Ele não poderia ter um pai
natural na terra, adotou José como pai legal: “Não
é este o filho do carpinteiro?“ (Mt 13,55) Normalmente
é o pai quem adota um filho, mas aqui é o contrário,
é o Filho quem adota um pai!
Daí podemos ver toda a grandeza de
José: foi o escolhido do Pai para ser o pai adotivo
do seu Filho. Quando José quis abandonar Maria “para
não difamá-la”, ele “que era justo”
(Mt 1,19), de imediato Deus enviou o Anjo Gabriel a José,
em sonho, para dizer´lhe: “José, filho
de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois o
que nela foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará
à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus,
porque ele salvará o seu povo de seus pecados”
(Mt 1,20-21).
É importante relembrar aqui que no
costume dos judeus, era o pai da criança quem lhe punha
o nome, e isto no dia da circuncisão, oito dias após
o seu nascimento. Coube a José a honra de dar-lhe o
nome de Jesus (cf. Lc 1,59, 62´63). “Completados
que foram os oito dias para ser circuncidado o menino, foi-lhe
posto o nome de Jesus, como lhe tinha chamado o Anjo, antes
de ser concebido no seio materno”. (Lc 2,21) Com isto
vemos que, mesmo sem precisar, Jesus quis ter um pai na terra,
quis ter uma família, viveu nela trinta anos. Isto
é muito significativo. Com a sua presença na
família ele sagrou todas as famílias. Conta-nos
São Lucas que após o seu encontro no Templo,
eles voltaram para Nazaré, “e Ele lhes era submisso”
(Lc 2,51). Vemos assim que a família é “um
projeto de Deus”.
Como Jesus deveria “assumir tudo que
precisava ser redimido”, como diziam os Santos Padres,
Ele começou assumindo o seu papel humano numa família,
para santificá-la e remi-la. Assim se expressou o Papa
João Paulo II: "O Filho unigênito, consubstancial
ao Pai, 'Deus de Deus, Luz da Luz', entrou na história
dos homens através da família" (CF,2).
É muito significativo ainda que ”o primeiro milagre”
tenha sido realizado nas bodas de Caná (Jo 2); onde
nascia uma família. Tendo faltado o vinho na festa,
sinal da alegria, Ele transformou água em vinho, a
pedido de sua Mãe 600 litros de água em vinho
da melhor qualidade.
As mazelas de nossa sociedade, especialmente
as que se referem aos nossos jovens: crimes, roubos, assaltos,
sequestros, bebedeiras, drogas, enfim, os graves problemas
sociais que enfrentamos, têm a sua razão mais
profunda na desagregação familiar que hoje assistimos,
face à gravíssima decadência moral da
sociedade. Como será possível, num contexto
de imoralidade, insegurança, ausência de pai
ou mãe, garantir aos filhos as bases de uma personalidade
firme e equilibrada, e uma vida digna, com esperança?
Fruto do permissivismo moral e do relativismo
religioso de nosso tempo, é enorme a porcentagem dos
casais que se separam, destruindo as famílias e gerando
toda sorte de sofrimento para os filhos. Muitos crescem sem
o calor amoroso do pai e da mãe, carregando consigo
essa carência afetiva para sempre. Podemos resumir toda
a grandeza, importância e beleza da família,
nas palavras do Papa João Paulo II, na Encíclica
Evangelium Vitae, sobre o valor da vida humana: "No seio
do 'povo da vida e pela vida', resulta decisiva a responsabilidade
da família: é uma responsabilidade que brota
da própria natureza dela - uma comunidade de vida e
de amor, fundada sobre o matrimônio - e da sua missão
que é 'guardar, revelar e comunicar o amor' (FC,17).
Em causa está o próprio amor de Deus, do qual
os pais são constituídos colaboradores e como
que intérpretes na transmissão da vida e na
educação da mesma segundo o seu projeto de Pai.
É, por conseguinte, o amor que se faz generosidade,
acolhimento, doação: na família, cada
um é reconhecido, respeitado e honrado por ser pessoa;
e se alguém está mais necessitado, maior e mais
diligente é o cuidado por ele.