Por
Padre Emmanuel Sj
O
texto apresentado a seguir são notas usadas pelo
autor em um curso sobre Discernimento Espiritual. Baseia-se
em vários autores e em notas pessoais, e não
foi escrito para publicação. Por este motivo,
faltam muitas referências. A inspiração
principal vem de um artigo do Pe. Michel Rondet SJ, publicado
na revista francesa CHRISTUS, octobre, 1989, nº 144,
pp.393-401, cujo título é: DEUS TEM UMA VONTADE
PARTICULAR PARA CADA UM DE NÓS?
1.
Discernimento: optar e comprometer-se
O
Pe. Cabarrus define o discernimento como a ousadia
de deixar-se levar (Cf CABARRUS, CARLOS: “A pedagogia
do discernimento - a ousadia de deixar-se levar”.
São Paulo: Loyola, 1991). E uma ousadia porque a pessoa deixa-se levar por Deus por caminhos que
muitas vezes a razão não pode enquadrar em suas categorias
lógicas pra garantir sua segurança. Opta-se ousadamente,
diante da liberdade, por onde não se vê, por onde se é levado.
Neste sentido se reproduz a experiência de lnácio, que citamos
anteriormente:
"lnácio seguia o Espírito. Não se adiantava
a ele. Deste modo era conduzido com suavidade para o desconhecido...
Pouco a pouco, o caminho se abria, e ele o percorria, sabiamente
ignorante, com o coração posto simplesmente em Cristo"
(Nadal, Diálogos n. 17, Fontes Narrativae TI).
Esta
ousadia implica em uma opção comprometida por aquilo que
é a Vontade de Deus. O discernimento só se conclui quando,
identificando a moção do Espírito, opto pelo caminho que
ela me aponta e a historicizo em ações concretas. Por isso,
o que nos interessa no processo de eleger-comprometer-decidir-comprometer-se
é oposto à cultura patológica deste tempo de exaltação
do indivíduo, de narcisismo exagerado que vivemos. Nunca
se teve tantas possibilidades de eleger e tão reduzida capacidade
de se comprometer como hoje. O ideal parece ser eleger tudo
e não se comprometer com nada optar sem renunciar. Ser livres
de tudo e livres para nada. (cf Carlos Dominguez Morano...
“Los registros del deseo – Del afecto, el amor
y otras pasiones” – BILBAO: Desclée de
Brouwer, 2001).
Os
Exercícios Espirituais de Santo lnácio querem preparar e
dispor a pessoa para uma eleição comprometida, que pode
amadurecer-se fora e depois deles. Trata-se de optar comprometidamente
para a Vontade de Deus. Por isso é importante compreender
o que significa VONTADE DE DEUS.
2.
O Que significa vontade particular de Deus para mim?
Discernir
e fazer Eleição é conhecer, acolher e historicizar a
vontade de Deus para mim. Por isso é muito importante
entender o que significa esta expressão: vontade de Deus.
a)
Imagens de Deus e vontade de Deus
Muitas
vezes nossa imagem de Deus se aproxima mais de uma divindade
pagã que do Deus de Jesus Cristo. Lembro-me sempre da pergunta
chocante de Karl Rahner: será o Deus dos cristãos um
Deus cristão? Devemos nos fazer algumas vezes esta pergunta,
pois a imagem que muitas vezes temos de Deus - e que no
Retiro já devemos a esta altura ter reelaborado - é uma
imagem perversa. E uma imagem perversa de Deus impossibilitará
nossa Eleição.
Trata-se
de um Deus todo-poderoso, que sabe tudo e vê tudo, diante
do qual a história humana se desenrola como um espetáculo
sem nenhuma surpresa, e que simplesmente espera que cada
um de nós ocupe seu lugar de cúmplices que não têm nenhuma
iniciativa própria. Este lugar está previsto desde toda
a eternidade. Por isso nós temos que descobrir qual esta
vontade e abraçá-la com urgência. Qualquer erro de decisão
pode ter efeitos dramáticos, e inclusive levar à condenação
eterna.
Certamente
Deus tem um desígnio para nós, expresso muitas vezes nas
escrituras. Por exemplo: A todos os que o receberam concedeu
o poder de se tornarem filhos de Deus (Jo 1)2). É um desígnio
de salvação, que expressa o ser mais profundo de Deus: um
amor que se dá e se comunica para que todos tenham vida
em abundância (Jo 10,10). E porque é uma vontade de Aliança,
só pode ser dirigido a pessoas livres.
Assim,
há um desejo de Deus dirigido pessoalmente a cada um de
nós. Se Deus se manifesta pelo Verbo Encarnado, sua Palavra,
é para ser escutado por nós. Se Deus nos chama a ser filhos
no Filho Único, é porque certamente espera que nos expressemos
em uma palavra que venha unir-se à sua. A revelação de seu
amor pode fazer nascer em nós esta palavra. Compete a nós
pronunciá-la livremente. De maneira alguma ela nos é ditada
por Deus.
Dito
de outro modo, ao criar-nos à sua imagem e semelhança, Deus
chama cada um a dar a esta imagem uma ressonância particular.
Como Jesus deu um rosto humano à imagem do Pai, cada um
de nós é chamado a refletir em sua vida traços da Santidade
de Deus.
Deus,
diante de quem existimos, não é um supercomputador capaz
de programar e ter presentes milhões de destinos individuais,
a quem deveríamos perguntar com medo e espanto pelo futuro.
Ele é o Amor que correu o risco de chamar-nos à vida, semelhantes
a ele e ao mesmo tempo diferentes, livres, para oferecer-nos
a Aliança e a comunhão. Assim, reconhecer a vontade de Deus
não é reconhecer uma imposição ou uma fatalidade, mas um
chamado a uma criação em comum.
A
imagem de Deus que trazemos muitas vezes é marcada por traços
neuróticos e perversos, que dão espaço para a crítica freudiana
ao se referir ao Deus de Jesus como o Deus da criança. Se
dermos o passo do Deus da criança ao Deus Vivo e Verdadeiro
revelado em Jesus Cristo, não poderemos jamais nos render
à sua vontade e, portanto, não estaremos em condições de
fazer qualquer discernimento que seja, já que discernir
é ter a ousadia de deixar-se levar pelo Deus Amor.
Tentamos
a seguir um paralelo muito genérico entre estas duas imagens,
mas que pode ajudar em nossa reflexão e experiência (cf
Carlos Domínguez Morano, Crer depois de Freud, Loyola,
SP):
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