segunda-feira, 25 de junho de 2012

O QUE ENTENDEMOS POR VONTADE DE DEUS

FORMAÇÃO
 
Por Padre Emmanuel Sj
O texto apresentado a seguir são notas usadas pelo autor em um curso sobre Discernimento Espiritual. Baseia-se em vários autores e em notas pessoais, e não foi escrito para publicação. Por este motivo, faltam muitas referências. A inspiração principal vem de um artigo do Pe. Michel Rondet SJ, publicado na revista francesa CHRISTUS, octobre, 1989, nº 144, pp.393-401, cujo título é: DEUS TEM UMA VONTADE PARTICULAR PARA CADA UM DE NÓS?
1. Discernimento: optar e comprometer-se
O Pe. Cabarrus define o discernimento como a ousadia de deixar-se levar (Cf CABARRUS, CARLOS: “A pedagogia do discernimento - a ousadia de deixar-se levar”. São Paulo: Loyola, 1991). E uma ousadia porque a pessoa deixa-se levar por Deus por caminhos que muitas vezes a razão não pode enquadrar em suas categorias lógicas pra garantir sua segurança. Opta-se ousadamente, diante da liberdade, por onde não se vê, por onde se é levado. Neste sentido se reproduz a experiência de lnácio, que citamos anteriormente:
"lnácio seguia o Espírito. Não se adiantava a ele. Deste modo era conduzido com suavidade para o desconhecido... Pouco a pouco, o caminho se abria, e ele o percorria, sabiamente ignorante, com o coração posto simplesmente em Cristo" (Nadal, Diálogos n. 17, Fontes Narrativae TI).
Esta ousadia implica em uma opção comprometida por aquilo que é a Vontade de Deus. O discernimento só se conclui quando, identificando a moção do Espírito, opto pelo caminho que ela me aponta e a historicizo em ações concretas. Por isso, o que nos interessa no processo de eleger-comprometer-decidir-comprometer-se é oposto à cultura patológica deste tempo de exaltação do indivíduo, de narcisismo exagerado que vivemos. Nunca se teve tantas possibilidades de eleger e tão reduzida capacidade de se comprometer como hoje. O ideal parece ser eleger tudo e não se comprometer com nada optar sem renunciar. Ser livres de tudo e livres para nada. (cf Carlos Dominguez Morano... “Los registros del deseo – Del afecto, el amor y otras pasiones” – BILBAO: Desclée de Brouwer, 2001).
Os Exercícios Espirituais de Santo lnácio querem preparar e dispor a pessoa para uma eleição comprometida, que pode amadurecer-se fora e depois deles. Trata-se de optar comprometidamente para a Vontade de Deus. Por isso é importante compreender o que significa VONTADE DE DEUS.
2. O Que significa vontade particular de Deus para mim?
Discernir e fazer Eleição é conhecer, acolher e historicizar a vontade de Deus para mim. Por isso é muito importante entender o que significa esta expressão: vontade de Deus.
a) Imagens de Deus e vontade de Deus
Muitas vezes nossa imagem de Deus se aproxima mais de uma divindade pagã que do Deus de Jesus Cristo. Lembro-me sempre da pergunta chocante de Karl Rahner: será o Deus dos cristãos um Deus cristão? Devemos nos fazer algumas vezes esta pergunta, pois a imagem que muitas vezes temos de Deus - e que no Retiro já devemos a esta altura ter reelaborado - é uma imagem perversa. E uma imagem perversa de Deus impossibilitará nossa Eleição.
Trata-se de um Deus todo-poderoso, que sabe tudo e vê tudo, diante do qual a história humana se desenrola como um espetáculo sem nenhuma surpresa, e que simplesmente espera que cada um de nós ocupe seu lugar de cúmplices que não têm nenhuma iniciativa própria. Este lugar está previsto desde toda a eternidade. Por isso nós temos que descobrir qual esta vontade e abraçá-la com urgência. Qualquer erro de decisão pode ter efeitos dramáticos, e inclusive levar à condenação eterna.
Certamente Deus tem um desígnio para nós, expresso muitas vezes nas escrituras. Por exemplo: A todos os que o receberam concedeu o poder de se tornarem filhos de Deus (Jo 1)2). É um desígnio de salvação, que expressa o ser mais profundo de Deus: um amor que se dá e se comunica para que todos tenham vida em abundância (Jo 10,10). E porque é uma vontade de Aliança, só pode ser dirigido a pessoas livres.
Assim, há um desejo de Deus dirigido pessoalmente a cada um de nós. Se Deus se manifesta pelo Verbo Encarnado, sua Palavra, é para ser escutado por nós. Se Deus nos chama a ser filhos no Filho Único, é porque certamente espera que nos expressemos em uma palavra que venha unir-se à sua. A revelação de seu amor pode fazer nascer em nós esta palavra. Compete a nós pronunciá-la livremente. De maneira alguma ela nos é ditada por Deus.
Dito de outro modo, ao criar-nos à sua imagem e semelhança, Deus chama cada um a dar a esta imagem uma ressonância particular. Como Jesus deu um rosto humano à imagem do Pai, cada um de nós é chamado a refletir em sua vida traços da Santidade de Deus.
Deus, diante de quem existimos, não é um supercomputador capaz de programar e ter presentes milhões de destinos individuais, a quem deveríamos perguntar com medo e espanto pelo futuro. Ele é o Amor que correu o risco de chamar-nos à vida, semelhantes a ele e ao mesmo tempo diferentes, livres, para oferecer-nos a Aliança e a comunhão. Assim, reconhecer a vontade de Deus não é reconhecer uma imposição ou uma fatalidade, mas um chamado a uma criação em comum.
A imagem de Deus que trazemos muitas vezes é marcada por traços neuróticos e perversos, que dão espaço para a crítica freudiana ao se referir ao Deus de Jesus como o Deus da criança. Se dermos o passo do Deus da criança ao Deus Vivo e Verdadeiro revelado em Jesus Cristo, não poderemos jamais nos render à sua vontade e, portanto, não estaremos em condições de fazer qualquer discernimento que seja, já que discernir é ter a ousadia de deixar-se levar pelo Deus Amor.
Tentamos a seguir um paralelo muito genérico entre estas duas imagens, mas que pode ajudar em nossa reflexão e experiência (cf Carlos Domínguez Morano, Crer depois de Freud, Loyola, SP):

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